Gênero surgido na década 70 faz sucesso ao satisfazer a curiosidade dos espectadores - e oferecer o estrelato a quem já se cansou de ser anônimo
Carolina da Gama
Reality shows: o prazer de espionar a intimidade alheia sem ser visto (Comstock)
Os reality shows firmaram-se como sucesso na televisão na década de 90, com base em uma fórmula bem simples: oferecer ao espectador a oportunidade de bisbilhotar a vida alheia. Passadas décadas de bisbilhotice, vale perguntar: por que seguimos espiando pela telinha? A longevidade do formato se deve ao fato de que, com o passar dos anos, os realities deixaram de satisfazer apenas ao público – e se tornaram um negócio interessante também para os participantes. Ao mesmo tempo em que satisfaz um impulso inato dos espectadores - a curiosidade - o gênero alimenta um fenômeno moderno: a busca pelos 15 minutos de fama.
A vontade de espiar, portanto, viria da impressão de que é possível ascender do anonimato à notoriedade em uma sociedade onde “quem não aparece não existe”. E é justamente essa vontade que leva os participantes a abrir mão de sua intimidade durante meses. “Os participantes têm a possibilidade de viver seus ‘15 minutos de fama’. É a sensação de ser o centro das atenções, como na infância. A fama tem a ilusão de resgatar essa sensação mágica de ser o foco da atração”, explica a psicanalista Telma Weiss, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.
Considerado o primeiro programa do gênero, An American Family, de 1973, não nasceu como um reality show – mas deixou claro às redes de televisão o quanto o público poderia se interessar pela intimidade, e pelos barracos, alheios. Ao vender sua ideia aos executivos da rede PBS, em 1971, o produtor Craig Gilbert imaginava o programa como um documentário que servisse de registro antropológico da família americana do período. Durante oito meses, as câmeras vigiaram a vida da família Loud, um clã da Califórnia formado pelo empresário Bill, sua mulher Patricia e seus cinco filhos. Foram escancarados ali os problemas conjugais do casal, que acabou por se divorciar em rede nacional. A destruição da família diante das câmeras provocou comoção nos EUA. Estava ali o DNA do Big Brother.
Mas foi só duas décadas mais tarde que os reality shows se firmaram como um grande sucesso. Nos anos 90, o produtor holandês John de Mol assistiu a uma reportagem sobre o experimento científico fracassado Biosfera 2, em que oito cientistas permaneceriam fechados em um domo durante dois anos. Foi quando bolou o Big Brother. O programa estreou em 1999 na TV holandesa, batendo recordes de audiência. Cinco mulheres e quatro homens com idades entre 24 e 44 anos foram confinados em uma casa isolada do mundo exterior. Os moradores eram vigiados 24 horas por dia por duas dúzias de câmeras e 59 microfones. O programa não foi apenas pioneiro no formato, mas também na maneira como incitava o voyeurismo do público – o prazer de espiar sem ser visto, de bisbilhotar a vida alheira.
Para Telma, o sucesso do formato se deve justamente ao fascínio despertado pela sensação de espionar outras pessoas pelo buraco da fechadura. “Conhecer a intimidade alheia sempre foi e sempre será interessante. Esse é o mote do telespectador. Claro que a TV sabe disso e tenta explorar esse desejo de todas as maneiras possíveis”, explica. E, para divertir o público, quanto mais variedade melhor.
Em 2000, o reality show Survivor mesmerizou os americanos ao colocar os participantes em uma ilha, num ambiente inóspito em que tinham de batalhar até mesmo para comer. Foi naquele ano que o fenômeno dos realities começou a tomar corpo no Brasil. E justamente por meio da adaptação de Survivor feita pela rede Globo: o sucesso No Limite. Assim como sua inspiração americana, No Limite foi um achado de gênio porque criou todas as condições possíveis para que os participantes do programa sejam espremidos a ponto de expor seus sentimentos mais básicos e íntimos diante de milhões de estranhos. Resultado: recordes de audiência. E os realities brasileiros estavam apenas começando.
Brasil – Quando a rede Globo decidiu adaptar também o Big Brother, o SBT de Silvio Santos lançou Casa dos Artistas, produzido a toque de caixa para que pudesse estrear antes do rival. O programa registrou o cotidiano de um grupo de atores e modelos trancafiados numa casa em São Paulo – entre eles Bárbara Paz e Supla, que chegaram a protagonizar um romance. Sucesso absoluto, Casa dos Artistas chegou a bater o Fantástico da Rede Globo aos domingos, coisa que nunca acontecera com a atração global desde sua criação, há quase 40 anos. Pouco tempo depois, a Globo partiu para o contra-ataque e lançou o primeiro Big Brother Brasil.
Inicialmente apresentado por Pedro Bial e Marisa Orth, o programa levou certo tempo para conquistar o público, mas encerrou sua edição inicial como sucesso de audiência – e somente com Bial no comando. O resultado impulsionou a Globo a lançar logo em seguida uma segunda edição do programa. Ao contrário do extinto reality de Silvio Santos, cujo sucesso ficou restrito à primeira edição, o Big Brother Brasil seguiu fazendo pequenas mudanças de formato, e cativando a audiência do público.
Os realities e seus personagens – E, se os realities evoluíram tanto nesses anos, seus personagens também. Ao contrário da família Loud, que se desintegrou diante das câmeras, hoje em dia a ingenuidade não faz parte do comportamento dos participantes. Em programas como Big Brother ou A Fazenda - o reality das subcelebridades confinadas, lançado pela Rede Record em 2009, - não demora até que os participantes comecem a formar grupos e complôs contra seus correntes.
Com uma “mãozinha” da edição, o público logo começa a escolher os heróis e vilões das tramas construídas sem roteiro prévio. Para Telma, a criação de personagens é, na verdade, um mecanismo de defesa dos participantes, que não conseguem expor tão facilmente sua intimidade. “Se o espectador percebe que um participante criou um personagem, um pouco do encanto do show vai embora”, afirma a psicanalista.
Fonte: Revista Veja